As recentes tarifas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra seus principais parceiros comerciais — incluindo México, Canadá e China — provocaram um aumento nas preocupações inflacionárias no Brasil. O cenário se agravou após o Banco Central do Brasil (BC) ter adotado uma postura considerada branda em relação aos riscos de uma nova guerra comercial global.
O Banco Central havia elevado a taxa básica de juros, a Selic, em 1 ponto percentual, alcançando 13,25% ao ano, em linha com suas sinalizações anteriores. Apesar da alta, o BC manteve uma avaliação otimista ao afirmar que um cenário de desaceleração do comércio internacional poderia, paradoxalmente, exercer pressão baixista sobre a inflação em economias emergentes como o Brasil.
Avaliação do BC Gera Críticas de Ex-Diretores
Essa mensagem gerou críticas de ex-diretores do BC, que consideraram o comunicado desalinhado com a realidade atual. Dois ex-membros da diretoria da instituição, em declarações anônimas à Reuters, destacaram que a postura do BC pareceu mal calibrada, especialmente diante da incerteza sobre o impacto das políticas comerciais de Trump.
“O cenário é claramente inflacionário para o Brasil e ainda coloca riscos de o próprio país ser alvo de tarifas, o que poderia depreciar a moeda de forma significativa”, disse um dos ex-diretores.
Por outro lado, outro ex-dirigente ponderou que as tarifas poderiam desencadear uma crise econômica global, o que poderia ter efeitos deflacionários no médio prazo, especialmente se houver desaceleração na atividade econômica mundial.
O Banco Central preferiu não comentar as críticas. A expectativa agora se volta para a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que será divulgada na terça-feira, e que poderá trazer mais detalhes sobre a leitura da autoridade monetária em relação ao cenário internacional.
Reação do Mercado: Volatilidade no Câmbio e Pressão Sobre o Real
O impacto das tarifas já foi sentido no mercado brasileiro. O real, que havia se valorizado cerca de 6% em janeiro, sofreu forte desvalorização na segunda-feira, caindo mais de 1% em relação ao dólar antes de se recuperar parcialmente após o anúncio de Trump de uma pausa temporária nas tarifas contra o México.
Essa volatilidade é reflexo direto da sensibilidade do Brasil ao cenário externo, especialmente por conta de sua dependência de commodities e do comércio internacional. O real, que perdeu mais de 20% em 2024 em meio a dúvidas sobre a disciplina fiscal do governo, tem sido um dos principais vetores de pressão inflacionária.
Segundo o consultor econômico Márcio Estrela, ex-servidor do BC, a expectativa de um ambiente menos inflacionário para os mercados emergentes ficou enfraquecida:
“Se as tarifas forem implementadas integralmente, isso será inflacionário nos EUA e reduzirá as chances de cortes de juros pelo Fed. Isso tende a manter o dólar forte e a pressionar o real”, explicou Estrela.
Por outro lado, Estrela destacou que uma queda acentuada nos mercados de ações dos EUA ou rupturas significativas nas cadeias de suprimentos globais poderiam desencadear uma recessão, o que teria um efeito deflacionário no longo prazo.
Perspectivas: Inflação em Alta e Pressão Sobre a Política Monetária
O cenário atual coloca o Banco Central brasileiro em uma posição delicada. De um lado, há a necessidade de manter uma política monetária restritiva para conter as pressões inflacionárias internas. De outro, o risco de uma recessão global pode limitar o espaço para novos aumentos de juros.
Além disso, as tarifas de Trump podem afetar diretamente o Brasil caso o país se torne um alvo em futuras rodadas de sanções comerciais, o que adicionaria uma camada extra de incerteza fiscal e cambial.
O mercado agora monitora de perto:
- A evolução das negociações comerciais entre EUA e México, após o acordo temporário para suspensão de tarifas.
- O impacto das tarifas nas expectativas de inflação nos EUA, o que pode influenciar a trajetória dos juros do Federal Reserve (Fed).
- A resposta do Banco Central brasileiro, especialmente nas próximas reuniões do Copom.
Enquanto isso, o Brasil permanece vulnerável a choques externos, com o real e a inflação sujeitos aos humores do mercado internacional.